sábado, 8 de agosto de 2009

Loops # 1 na Flur

É sempre excitante assistir ao nascimento de uma nova publicação, sobretudo numa época em que a tendência é contrária. Mas a Loops não é uma publicação qualquer e isso aumenta ainda mais o grau de excitação. Comprei o meu exemplar ontem na Flur e, curiosamente, serviu-me de leitura antes de uma consulta no dentista (true!), alternativa perfeita às velhas cópias da Visão e da Sábado que se encontram na sala de espera desses sítios (no meu caso, e dada a proximidade com o consultório, a sala de espera foi mesmo um recanto do arejado edifício da Gulbenkian, o que não retira validade ao que referi em relação às revistas disponíveis na tal sala de espera). Susan Sontag lida pelo ângulo do hip hop, ensaio inédito de Nick Kent sobre Nick Drake ou de Richard Milward sobre os Spaceman 3... Simon Reynolds, que também escreve um ensaio (Sonic Fiction... or, If This is The Future, How Come the Music Sounds So Lame?), apresenta a revista desta forma:

«Here at last is a haven for adventurous long-form music writing of every sort: rumminations, rhapsodies, reported investigations and critical essays, pieces that range across time and the genrescape, and that focus intently on individual artists, songs, tiny moments of epiphany.»


Com muita da escrita musical hoje vergada à urgência da internet ou enquadrada juntamente com toneladas de imagens em revistas que cada vez mais percebem o quão complicado é manter o interesse do leitor, o aparecimento da Loops - com as suas 224 páginas povoadas quase exclusivamente por texto a que é dado a base nobre da página em branco sem delirantes arremedos de design - é uma notícia importante. Há outras revistas que deixam correr as palavras - casos bastante diferentes da Wire ou da WaxPo (que também trouxe da Flur!) -, mas esta coragem editorial de as deixar sózinhas, sem o amparo sóbrio e arty do design e das fotos (como na Wire) ou do simples ponto de partida das palavras que se pode adivinhar nos próprios discos que as motivam (caso da Waxpoetics) é certamente singular, sobretudo nos tempos que correm, quando as imagens são muitas vezes o anzol que mantém presa a atenção dos leitores que, dizem os estudos, é cada vez mais reduzida.

A Loops sairá duas vezes por ano e resulta de uma colaboração entre a editora Domino e a casa livreira Faber & Faber (que na página de abertura do seu site anuncia estar a oferecer a bicileta de David Byrne - how cool is that?). Resulta, sobretudo, de uma vontade de contrariar este êxodo do plano físico que está em marcha no universo da música. Ontem, da Flur, além da Loops e da WaxPo trouxe também 3 discos de vinil e quatro cds que cobrem o vasto espaço que vai do passado funky do Benim, da imaginação electrónica que se cozinhava nos corredores da BBC e das experiências de modernidade angular de Nova Iorque até ao presente pela mão de um improvável poeta folk e ainda um instantâneo da cena cósmica. Fascina-me a probabilidade das linhas que possam unir tão diferentes universos e na Loops deverei certamente descobrir mais pistas para outros caminhos e atalhos mais ou menos secretos, mas certamente desconhecidos para mim, que conduzam a listas de compras ainda mais delirantes. A simples possibilidade dessa promessa - presente numa escrita que não está enquadrada por nenhum tipo de agenda editorial sincronizada com calendários de edição discográfica - já garante à Loops lugar central na minha estante. Daqui a seis meses, cá estarei para dar conta do segundo número. Espero.

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