Aproveitem e passem os olhos por estas páginas:
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OLD RARE NEW
A loja de discos
Teimosamente, a loja de discos continua a sobreviver na idade digital. O livro «Old Rare New» celebra a história de permanência da loja de discos independente, espaço mágico de descobertas e passagem de informação.
Em «Saturday Morning Rush», Earl Zinger (aka Rob Gallagher dos 2 Banks of Four) descrevia um cenário que pode estar em vias de extinção: na sua ânsia de obter um novo maxi de hip hop, Zinger percorria as melhores lojas de discos de Londres, entrando e saindo de transportes públicos e debatendo-se com a concorrência dos coleccionadores japoneses que pareciam estar em todo o lado. Essa canção pode, inadvertidamente, ter-se transformado numa espécie de documentário romântico de uma rede que se vai desfazendo a cada dia que passa. «Old Rare New – The Independent Record Shop» é um novo livro que procura reflectir sobre a importância – sociológica, antropológica, artística – desses míticos locais.
Com selo da Black Dog Publishing (www.blackdogonline.com) e edição de Emma Petit (e com o envolvimento da portuguesa Rita Vozone – que foi membro dos Caveira – na assistência de edição), «Old Rare New» inclui entrevistas e depoimentos de ilustres como Davendra Banhart, Will Oldham, Chan Marshall (Cat Power), James Lavelle (Unkle) ou jornalistas como Bill Brester («Last Night a DJ Saved My Life») e Simon Reynolds («Rip it Up and Start Again»). Todos procuram sustentar a ideia da loja de discos como muito mais do que mero depósito de artefactos. Para procurar captar essa essência, «Old Rare New» é profusamente ilustrado com olhares sobre o interior das lojas de discos, com o poder gráfico de velhas etiquetas de singles e gloriosas capas de álbuns (onde surgem exemplos que nos são bem próximos de Bana com Luís Morais, Voz de cabo Verde, Black Power e uma compilação do Folclore de Angola, por exemplo).
Este livro surge num momento especial da história da nossa relação com a música gravada. Depois de um século de uma continuada encenação ritualista da ida à loja de discos – na Lisboa da transição dos anos 80 para os 90, a Contraverso, ao Bairro Alto, podia em certos dias ser o centro de um universo onde só visitas regulares garantiam uma passagem para o círculo interior que facilitava o acesso às novidades mais recentes – a Internet veio desfazer essa prática colocando tudo ao alcance de todos com apenas um clique. Se a vantagem óbvia dessa nova realidade passa por eliminar as distâncias físicas – um coleccionador do Porto pode mais facilmente ter acesso a peças anteriormente só disponíveis no mercado americano ou um dj de Lisboa pode, sem delay de espécie alguma, adquirir as novidades londrinas no dia da sua saída – o reverso pode encontrar-se na eliminação dos filtros erguidos com a loja de discos.
Por trás do balcão de uma loja – sobretudo as mais especializadas – estava sempre um conhecedor que orientava e até condicionava as compras do seu cliente. No ecrã de um computador, a simples quantidade de títulos disponíveis pode ser intimidatória. E, claro, perde-se totalmente o lado social espelhado na rede de clientes de cada espaço físico de venda de discos. «Old Rare New» procura preservar a memória desses espaços. Bill Brewster, autor ligado ao site djhistory.com com obra feita na área da construção de uma história do DJ, refere-se à loja que visitava com mais frequência quando habitava em Nova Iorque – a já desaparecida Chelsea Book & Records – como o seu «templo semanal». Já Will Oldham fala entusiasmadamente de encontrar discos há muito procurados de Phil Ochs e Dagmar Krause e de como se podem tornar verdadeiros tesouros pessoais.
Os mecanismos da nossa memória, por alguma razão, permitem registar o dia em que se adquiriu aquela cópia em vinil de «What’s Going On» de Marvin Gaye e não atribuir qualquer espécie de relevância ao momento em que se fez o download do último trabalho de Mos Def, por exemplo. Isso deve-se à carga emocional que atribuímos a cada uma dessas acções. Há, claro, uma nova geração que começa a erguer-se sem a referência do espaço físico celebrado em «Old Rare New» e para quem a Internet – seja para comprar música em suportes físicos ou simplesmente para a descarregar em ficheiros digitais – é a única realidade que conhecem. Para essa geração, «Saturday Morning Rush» e a sua descrição da azáfama nas lojas do Soho londrino pode ter o peso de um código arcano impossível de decifrar. E, por isso mesmo, para eles a passagem de olhos pelas páginas de «Old Rare New» pode ter o mesmo sabor que para uma criança terá um daqueles livros carregados com imagens dos tesouros do antigo Egipto: um mundo de riquezas gloriosas de um passado distante que já só se podem encontrar nos melhores museus do mundo. E, no entanto, ainda recentemente se fez fila à porta da Flur, em Santa Apolónia, para mais um intenso dia de saldos. Pode ser que nem tudo esteja perdido. Nesse caso, «Old Rare New» poderá igualmente ser visto como um excelente manual de instruções.
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