sábado, 2 de maio de 2009

John Dent - a arte da masterização

Se por acaso ouviram o mais recente álbum dos Azymuth na Far Out ou dos Franz Ferdinand na Domino, então conhecerão o trabalho de John Dent, . Trata-se de um verdadeiro mestre na arte da masterização que tive a oportunidade de entrevistar em Barcelona, no âmbito da última edição da Red Bull Music Academy. Apesar de ser algo técnica (a entrevista foi feita para a revista Arte Sonora), não deixa de fazer sentido para o universo One For The Treble, Two For The Bass. As opiniões de Dent são bastante interessantes.

John Dent é um dos melhores masterizadores do mundo. Dono de um currículo invejável, hoje opera a partir de Taunton, Inglaterra, com o seu estúdio Loud Mastering, mas tem uma carreira de três décadas recheada de grandes projectos e ligada aos melhores estúdios, do Trident ao famoso The Exchange. A entrevista decorreu em Barcelona, onde John Dent se deslocou para proferir uma palestra no âmbito da Red Bull Music Academy (RBMA), uma iniciativa da marca de bebidas energéticas que todos os anos escolhe uma capital cultural mundial (São Paulo, Toronto, Seattle, Roma, Cidade do Cabo ou Melbourne já receberam este evento) para receber uma série de pessoas seleccionadas em todo o mundo para participarem numa verdadeira academia visitada por algumas das mais brilhantes estrelas musicais. Este ano, em Barcelona, a RBMA tomou conta de uma antiga fábrica de tecidos e em dois pisos recheados de estúdios e áreas de lazer podiam encontrar-se pessoas de todo o mundo – de Portugal a Israel, da Turquia à Argentina – atarefadas a criarem os caminhos que a música vai seguir no futuro imediato. Além de Mário Caldato, Jr (produtor dos Beastie Boys ou Marcelo D2), Dennis Coffey (guitarrista que é uma lenda da Motown) e outros protagonistas da mais avançada música que se faz hoje, os frequentadores desta academia puderam assistir a uma palestra de John Dent, masterizador de álbuns clássicos de reggae, punk, new wave e do mais moderno rock alternativo que hoje se cria. Antes da palestra, houve oportunidade para uma demorada conversa sobre o que significa ser um dos melhores masterizadores do mundo.

Que projectos tem em mãos neste momento?
Estou agora a trabalhar no novo álbum dos Franz Ferdinand. É um álbum muito complexo e mal regresse ao estúdio vou ter que me atirar de novo a esse trabalho. Faço muitas coisas para as principais editoras discográficas, fiz os últimos dois álbum de PJ Harvey, que são sempre projectos importantes e grandes, porque toda a gente os ouve e todos querem que os resultados sejam tão perfeitos quanto é possível. Neste momento tenho ainda em mãos 4 álbuns para um produtor da Columbia e mais dois para uma editora de Londres que lança muitas coisas brasileiras, a Far Out.
Olhando para trás, para os últimos 30 anos, posso dizer que masterizei 5 álbuns do Bob Marley, edições originais: um par deles foram vinis para consumo interno no Reino Unido, mas outro foi o álbum «Legend», que eu montei a partir das fitas originais. Tratei eu de todo esse projecto.

Que é apenas o álbum de reggae mais vendido de sempre…É verdade. Esse projecto foi mesmo um trabalho de paixão, quisemos aceder a todas as fitas originais sempre que possível e o master final foi feito em fita de meia polegada. Fizemos questão de não nos afastarmos mais de uma geração das gravações originais, por isso foi tudo feito aos pedaços, tivemos que cortar e voltar a colar muita fita, para não termos que fazer mais cópias. E depois de ter o master montado em fita de meia polegada, cortei o acetato para o fabrico do vinil. Mais tarde usámos o mesmo master de fita para a matriz do CD.

Muito bem. Hoje em dia, como sabe, as pessoas ouvem música nos telefones e em pequeníssimos dispositivos que tocam ficheiros comprimidos. Entristece-lhe o coração saber que o seu trabalho pode acabar dentro de um destes aparelhos?
Até um certo ponto, sim. E não apenas a mim. Trabalho com técnicos muito dedicados, produtores e engenheiros e todos ficam horrorizados ao saberem que é assim que muita gente ouve o seu trabalho. Eu tenho sentimentos díspares acerca dessa questão. A ideia de música móvel, música facilmente acessível em qualquer lado, agrada-me imenso. Mas eu acho que o público em geral não faz a mais pequena ideia de que o que obtém dessa forma é uma versão muito inferior do master original. E quando digo “inferior” quero dizer, radicalmente inferior. Se pensarmos nos masters com que eu costumo trabalhar, muitas vezes são em fita de meia polegada, fita analógica, ou então ficheiros digitais a 24 bits /96khz. Nesses casos, a qualidade de gravação é soberba e se começarmos a pensar em conversões para mp3 podemos chegar a uma cópia que é para aí 100 vezes inferior ao master original. É uma redução de dados muito significativa. Ao ponto de um mp3 ser quase igual a um toque de telemóvel, é apenas uma ideia do que é o original.

Mas a ideia generalizada é de que um mp3 a 320kbps é praticamente idêntico a um ficheiro wave…
Mas não é. Mesmo nesse bitrate continua a haver uma perda muito significativa de dados. A minha educação, o meu treino, foi no mundo analógico do vinil. Quando se passa de vinil para o suporte cd já existe uma redução de resolução. Se o vinil e o cd fossem câmeras, um cd teria um megapixel e o vinil teria 4 megapixeis. É desse tipo de diferença que eu estou a falar.

Talvez isso ajude a explicar porque tanta gente ainda prefere o vinil.
Uma coisa importante acerca do vinil é que não se trata de lhe acrescentar ficheiros, como num CD. Há que ter algo de qualidade superior. E isso é o que eu tenho vindo a fazer de forma regular no meu estúdio. Com o mais recente álbum da PJ Harvey, «White Chalk», todos os masters resultantes das misturas e o próprio mastering foram digitais a 24/96. E nós reduzimos a fidelidade para a edição em CD, mas mantive o standard 24/96 para a versão em vinil. Ou seja, a versão em vinil tem uma resolução 3 vezes maior do que a do cd. E consegui cortar todo o álbum a 45 rotações para ter uma qualidade ainda maior. Neste caso específico, quando se compara o CD e o vinil, o vinil soa muito melhor. Sem sombra de dúvidas. Penso que este facto se perdeu com o tempo. No tempo em que só existia vinil e tínhamos misturas de alta qualidade feitas através de uma mesa Nieve, por exemplo, a partir de gravações em 24 pistas ou em 16 pistas, toda essa qualidade, toda essa resolução acabava por se transferir para o disco. Quem tivesse um gira-discos de baixa qualidade não seria capaz de ouvir essa resolução, mas sabia perfeitamente que se investisse num bom sistema de som iria sentir a diferença. Era nessa ideia que se baseava todo o mundo da alta-fidelidade: as companhias investiam muito dinheiro a investigar as melhores maneiras de conseguirem ler toda a qualidade que os discos podiam conter. Por isso, quando se comprava um disco estava-se de facto a comprar um produto de alta resolução. Muito mais alta do que a do cd. E se tivessem os recursos certos poderiam usufruir dessa alta resolução e muita gente fazia-o. Hoje em dia, com o mp3, está-se limitado a baixa resolução: não existe alta resolução nos mp3. O que eu tento fazer, por conseguinte, é encorajar as editoras a incluírem edições limitadas de vinil nos seus lançamentos de forma a usarmos o trabalho de alta resolução que se faz nos estúdios e não perdermos esse standard. Porque sente-se mesmo a diferença.

Talvez esse encorajamento esteja a resultar: depois de anos a falar-se da morte do vinil, voltam a ver-se lançamentos neste formato nas cadeias principais de lojas. Talvez ainda haja esperança…
Tenho a certeza que sim e acredito mesmo que os músicos, os engenheiros e os produtores continuam a gostar da ideia de ter os seus lançamentos disponíveis neste formato. Para mim, o vinil é a tela da música. Ver o vinil desaparecer é como dizer a um pintor: “não há mais telas, não há mais tinta a óleo, nem galerias de arte, agora tens que fazer tudo em computador”. Tenho a certeza que qualquer pintor sério ficaria horrorizado perante este cenário. Eu vejo o mundo do áudio da mesma forma.

É curiosa essa comparação: em Portugal, um dos mais velhos técnicos de som, residente nos estúdios de uma companhia chamada Valentim de Carvalho e responsável por muitas gravações clássicas de música portuguesa, o senhor Hugo Ribeiro, disse-me um dia que apesar de lhe chamarem “engenheiro de som” ele sentia-se mais como um artista quando cortava vinil. Dizia ele que era preciso arte para cortar um acetato.
Sem dúvida. É uma arte que nem sequer os engenheiros de som que cortam vinil compreendem na sua totalidade. Há um certo mistério envolvido. É algo que se faz e depois vê-se toda a gente satisfeita, com um sorriso nos lábios, quando ouvem o resultado final e isso é uma boa sensação, saber que se contribuiu positivamente para a carreira de alguém. E depois há uma excitação natural nestes artistas quando vêem o seu trabalho impresso em vinil, coisa que não vejo com os cds ou com os downloads. As pessoas ficam genuinamente ligadas de forma emocional a este suporte e eu acredito firmemente que continua a ser um meio válido, da mesma forma que o filme continua a ser um meio válido para a fotografia. Claro que há menos pessoas a fotografar com rolos hoje em dia, mas a qualidade extra para os que continuam a usar esse meio é fantástica. Estou actualmente a trabalhar com uma companhia chamada Vinyl 180 e eles estão a reeditar em vinil de alta qualidade muita coisa dos catálogos da Beggars Banquet e da 4AD. Tudo está a ser feito recorrendo ás fitas originais e os resultados têm sido incríveis. Há muitas companhias que estão a voltar a disponibilizar o catálogo em vinil e isso quer dizer alguma coisa.

Muito bem. Que máquina de corte é que usa?
Uma Neumann VMS-70 (ver caixa). Não é uma máquina de corte das mais recentes. Enquanto engenheiro, não gosto do som da VMS-80, que é mais recente. Acho que a VMS-80 actua um pouco com um compressor. A VMS-70 é mais simples, muito fácil de usar. Ao longo dos anos fizeram-se masters fantásticos nessa máquina.

De que ano é a sua VMS-70?
Penso que provavelmente será de 1979, não sei exactamente de que ano é. A VMS-80 saiu já no início dos anos 80.

Como é a manutenção dessas máquinas?
Bem, boa parte é simples, porque estamos no domínio da electrónica, mas há algumas questões com as cabeças de corte. São muito frágeis e podem rebentar. Têm uma vida média de 3 a 4 anos. A reparação destas cabeças de corte pode de facto ser um problema, mas ainda há pessoas que o fazem. Tenho uma para reparar já há dois anos. Continuo a ter extras para trabalhar, mas de facto isso poderá vir a tornar-se um problema. As cabeças da Neumann são o resultado de muitos anos de pesquisa, são fantásticas e muito precisas: todas as frequências passam por ali.

Se eu quisesse montar um estúdio, quanto teria que estar preparado para pagar por uma máquina dessas?
Provavelmente entre 20 e 25 mil libras e se calhar sem contar com as peças extra que iriam ser necessárias.

Ok. Olhando agora para o passado, como é que aprendeu este ofício?
Bem, eu entrei para os estúdios Trident, no West End de Londres, a meio dos anos 70, como “tea boy”, a fazer pequenos recados. Nesse estúdio havia o hábito de ir formando as pessoas e depois de algum tempo a fazer o chá e outras pequenas coisas era-nos dada a oportunidade de começar a observar o trabalho dos engenheiros e aprender a arte de gravar música. Nesse estúdio tive a oportunidade de trabalhar com o melhor engenheiro, fiz alguns trabalhos com ele e depois abriu uma vaga no estúdio de corte de acetatos. Como eu era um grande coleccionador de discos, agradava-me a ideia de experimentar esse trabalho. Experimentei e descobri que fazia esse serviço de forma muito natural. Não demorou muito para começar a cortar alguns acetatos de menor responsabilidade, sem supervisão. Eu parecia saber o que estava a fazer e impus-me muito rapidamente. Isso coincidiu com a chegada do punk e acabei por fazer muitos dos cortes de acetato para singles e álbuns das bandas da época. Fiz também muito reggae. O álbum ao vivo do Bob Marley de onde saiu a versão do «No Woman, No Cry» que foi um grande êxito. A cena punk e reggae acelerou muito a minha carreira. Trabalhei com os Police, fiz dois álbuns dos Stranglers… a lista é enorme. Em 1978 deixei os estúdios Trident para ir trabalhar para a Island. A Island e o Chris Blackwell eram meus clientes. O Chris veio um dia assistir ao corte de um disco do John Martyn, «One World», e manifestou o desejo de ter o seu próprio estúdio em vez de continuar a recorrer ao nosso. Eu disse-lhe que se conseguisse encontrar o equipamento o contactaria. E acabei mesmo por encontrar o que necessitava em Paris e então montei um estúdio, na zona oeste de Londres, o Sound Clinic. No início, este estúdio funcionava sobretudo para produtos da Island, mas à medida que o tempo foi correndo arranjámos outros clientes: masterizei o terceiro álbum do Peter Gabriel lá, Dire Straits, o duplo «Alchemy». A experiência de trabalhar para a Island foi muito valiosa: eles tinham uma companhia muito bem sucedida e várias etiquetas associadas muito boas, a Ztt dos Frankie Goes To Hollywood, por exemplo. Pediam-nos para fazer um corte da parte da manhã, para entregar na fábrica da parte da tarde e chegar ás lojas dois dias mais tarde e uns dias mais tarde estava nas tabelas de vendas. Foi um período entusiasmante.

Também passou pelo The Exchange, certo?
Sim, abri o The Exchange (ver caixa) por volta de 1987. Na altura a Island não estava a investir o suficiente para masterizarmos cds. Os cds estavam a aparecer e toda a gente queria os catálogos transferidos para este suporte. E eu pensei que se a editora não investia o suficiente para comprarmos o equipamento adequado, então eu deveria ir ao banco e tratar disso. Contei-lhes a minha história e foi com muito prazer que eles me emprestaram o dinheiro. Trouxe então o meu outro engenheiro, Graeme (Durham, ainda hoje no The Exchange), e os dois juntos escolhemos o local onde montar o estúdio, organizámos a divisão do espaço, o isolamento de som e fizemos tudo isso enquanto continuávamos a trabalhar com a Island. A dada altura fomos falar com o Chris Blackwell e dissemos-lhe, “Chris, estamos a montar o nosso próprio estúdio, vamos sair, mas queremos continuar a trabalhar contigo.” E ele disse que podíamos levar o equipamento que quiséssemos e pediu-nos para continuarmos a tratar da transferência para CD do catálogo dele. Nenhum dinheiro trocou de mãos, fizemos um acordo de cavalheiros e continuámos a tratar das transferências. Assim ficámos com mais equipamento, ficámos com a bênção dele e com muito trabalho entre mãos.

Esse estúdio, The Exchange, ganhou uma reputação mítica. Lembro-me de ver por lá equalizadores feitos à mão, especificamente de acordo com as vossas necessidades. O The Exchange colocou a fasquia alta neste ramo, não concorda?
Sim, era a nossa maneira de fazer as coisas. Muitos dos aspectos mais técnicos estavam a meu cargo e o Graeme tratava mais do lado do negócio. A dada altura, no entanto, comecei a sentir-me insatisfeito no The Exchange. A minha sala no Sound Clinic era muito boa, eu sentia-me muito bem lá. O The Exchange operava com outra filosofia. Havia turnos e os engenheiros chegavam e alteravam os set-ups. Por isso as salas não eram tão personalizadas como acontecia quando trabalhava em exclusivo para a Island. E isso acabou por se revelar problemático para mim. Nem toda a gente pensava o mesmo, mas para mim foi mesmo um problema: gostava de deixar as coisas, ir para casa e pegar nelas outra vez no dia seguinte e ali não podia fazer isso. Por isso acabei por tomar a decisão de sair e começar outro estúdio, o que deve ter sido uma boa ideia.

Prefere o trabalho mais solitário e mais detalhado.
Sim, é mais ou menos isso. Sou um engenheiro de projectos, trabalho com projectos grandes e muito complexos, que requerem tempo e por isso ter a filosofia de tentar encaixá-los num turno não se coadunava com a minha personalidade.

Ok, sem revelar segredos do ofício, qual seria o set up ideal para um engenheiro trabalhar neste domínio das masterizações?
Bem, é necessário ter um bom par de ouvidos, uma mente calma e muita paciência. É preciso ouvir os clientes e também a música, porque as pistas vêm sempre do cliente. Se alguém entra no teu estúdio e tem uma ideia definida do que quer, é preciso ir de encontro às suas vontades. Se eles ficam felizes, então vão ser clientes satisfeitos e o que quer que tenhas colocado em cd ou vinil vai sair com mais brilho.

Ok, mas existe alguma peça de equipamento milagrosa?
Não me parece. O equipamento que eu uso é uma mistura de equipamento tradicional, como a Neumann VMS-70, e coisas mais modernas, actuais até. So que eu gosto de modificar algumas peças de equipamento de acordo com as minhas necessidades.

Usa plug-ins?
Não. Quer dizer, poderei recorrer a algo assim se precisar de filtrar um pouco de baixas frequências num trabalho que esteja já praticamente acabado e precise apenas desse pequeno retoque. Na verdade, eu próprio sou o plug-in! Prefiro trabalhar com equipamento outboard de boa qualidade. Não sou um grande fã de permitir que seja o processador do computador a fazer todo o trabalho. O processador do computador faz o computador funcionar, trata da limpeza da casa, está tudo a passar por ele e então porquê fazer o áudio passar pelo mesmo processador? Prefiro tratar do áudio cá fora, de forma analógica, quando é possível. Muitos engenheiros de som continuam a preferir trabalhar de forma analógica.

Com equipamento solid state ou a válvulas?
Eu trabalho principalmente com válvulas, embora tenha uma ou duas peças de equipamento solid state que têm sons específicos que eu sei que se puser o sinal através deles vou conseguir resultados que se adequam a determinados tipos de música. Por exemplo, se estiver a fazer hip hop sei que há qualquer coisa acerca do baixo que vai funcionar com esse equipamento. Quando trabalho, escolho muito bem o caminho do meu sinal. E nunca começo a trabalhar sem ouvir calmamente o álbum pelo menos umas duas vezes, porque é essa audição que me vai dizer o que é necessário fazer. O maior problema de muitos engenheiros de mastering é que são muito rápidos a começar a tocar em tudo, a mexer com o som, e às vezes não compreendem que o seu trabalho pode ser não fazer nada ou apenas muito pouco. Eu levo sempre muito tempo a começar uma sessão, mas depois de começar normalmente tomo as decisões que há para tomar muito rapidamente.

Muito bem: compressão é uma palavra feia?
Nem por isso…

Mas até onde se pode ir neste domínio? Hoje em dia quando observamos a wave de um disco novo no monitor do computador só se vêem blocos, parece já não haver dinâmica alguma…
Isso é verdade, as coisas podem de facto seguir esse caminho. A minha posição nesse departamento é que um vinil, um cd ou um download têm que ter volume suficiente e não ter volume só por ter. Mas a verdade é que quando se recebe a gravação de uma banda e o som está um pouco baixo e as coisas soam desligadas, fica-se com a impressão de que se está a ouvir uma maquete e não um lançamento final. Se se encontrar maneira de amplificar isso, com um pouco de compressão suave, algo que seja harmonioso com a própria música, mas que nos dê uns três ou 4 dbs extra, geralmente isso deixa toda a gente satisfeita porque estamos a fornecer uma versão melhorada daquilo que nos trouxeram. Eu irei sempre ouvir a estrutura de uma canção, a intro, o verso, o refrão e irei construir uma imagem do volume das várias secções da canção. Não faz sentido colocar um limitador de forma tão agressiva que se deixe a introdução mais alta do que a conclusão de um tema. E há muitos engenheiros que fazem isso, o que me parece um erro absurdo.

A Rolling Stone fez um artigo sobre as “loudness wars” e mostrava um wave de um tema dos Nirvana e outro dos Arctic Monkeys ou algo assim e a wave dos Nirvana era muito calma, cheia de dinâmica. Quando o «Smells Like Teen Spirit» saiu eu pensei que aquilo era música com muito volume, mas o conceito de volume parece ter-se alterado…
Alterou-se, sem dúvida. Hoje os próprios músicos exigem volume. O hip hop que chega da América é invariavelmente muito alto. E se fores um rapper do reino Unido que faz um cd que parece 5 dbs mais baixo, não serás ouvido. O segredo é conseguir um bom equilíbrio até porque os limitadores e os compressores têm sido usados desde sempre. Só que chegámos a um ponto estúpido, com gente a usar estas ferramentas de forma péssima. Quer dizer, eu consigo fazer um cd tão alto como outra pessoa qualquer, afinal de contas o meu estúdio chama-se Loud Mastering, mas só o farei se o meu cliente me pedir, e posso até recomendar que não se exagere. Normalmente, quando faço vinil e cd de um mesmo projecto, posso deixar o vinil com um pouco mais de dinâmica.

Acha que a música de dança teve alguma coisa a ver com a sobrevivência do vinil?
Sim, claro. Sim, o vinil foi de certa forma abandonado por muitas das companhias discográficas. Houve muita pressão por parte da Philips e da Sony para se impor o novo produto que era o cd e essa supressão deliberada do vinil foi muito agressiva. A Philips e a Sony eram donas de várias fábricas por todo o mundo e venderam os terrenos para urbanizações, deliberadamente cortando o fornecimento de novo vinil, para que não houvesse alternativa. Depois a Sennheiser comprou a Neumann e acho que se limitou a fechar o departamento de vinil. Por isso sim, houve uma série de decisões deliberadas para reduzir a confiança das pessoas no vinil.

Dois ou três discos em que realmente tenha muito orgulho e que use para mostrar o seu trabalho?
Essa é complicada… um dos maxis de que mais gosto que eu fiz é o «Ghost Town» dos Specials: ouvi esse disco em todo o lado e sempre soou fantástico. Algum do material do Bob Marley: «Is This Love», fantástico single. Mas até coisas recentes, como é o caso do material da PJ Harvey.

No mundo haverá o quê, umas vinte pessoas a trabalhar ao seu nível?
Sim, por aí.

Qual a sensação de fazer parte de um clube tão exclusivo?
É um privilégio.

Vocês juntam-se uma vez por ano nalguma ilha distante para discutir os segredos?
(risos) Sim, encontramo-nos de vez em quando. Estivemos juntos, muitos de nós, em Julho último, para uma noite de caril e cerveja. Foi um evento organizado pela Apollo, fabricantes de acetatos.

O vinil continuará a existir daqui a 100 anos?
Penso que sim. Tem o seu lugar e há muita gente empenhada em mantê-lo vivo.

NEUMANN VMS 70

Com valores de revenda próximos dos 30 mil euros actualmente, quando há a sorte de surgir algum exemplar no mercado, esta série de corte de vinil da Neumann (as VMS 70 eram mais populares, mas o modelo VMS 80 costumava ser o mais procurado, apesar de usar o mesmo circuito de corte da versão 70 – preço de venda em Nova Iorque na altura do seu lançamento original: 120 mil dólares!!!) continua a operar e a garantir excelentes resultados. Escrevendo “neumann vms70” no YouTube é possível aceder a um vídeo desta peça de clássica engenharia alemã.


The Exchange

The Exchange é um famoso estúdio de masterização em Londres, situado na zona de Camden, muito ligado nos últimos anos à zona mais electrónica da música. Muitos dos trabalhos dos Massive Attack foram por lá realizados, por exemplo. Em tempos recentes, álbuns dos Crystal Castles, Dizzee Rascal, Tricky ou The Kills têm o carimbo The Exchange na masterização, mas a lista é longa e muito variada estilisticamente, indo dos Foals aos Hercules and Love Affair, dos The Darkness aos Cassius, Depeche Mode, Sigur Rós e Goldfrapp… a lista é interminável. Na década de 90, a editora NorteSul fez por lá várias masterizações, incluindo álbuns dos Cool Hipnoise e vários cortes de acetato para a sub-etiqueta de dança Kami’Khazz.


Os monitores

John Dent usa no estúdio monitores da marca britânica ATC, distribuídos pelo Transaudio Group e apresentados como «os melhores do mundo»: «uso os ATC 100 ASL, são activos, muito lineares. São uma espécie de auscultadores muito grandes. Tenho-os mais ou menos nearfield, não muito, e tenho-os numa posição pouco convencional, porque acho que resulta melhor para mim.»

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