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Dois registos perdidos de 1973 e 1978 reforçam a memória de Sabú Martinez, “conguero” de excepção que faleceu há exactamente 30 anos.
Poucas histórias ilustrarão tão bem o espírito desta coluna como a de Sabú Martinez, extraordinário percussionista que faleceu há exactamente três décadas, a 13 de Janeiro de 1979, na Suécia. Em 2008, a pequena editora sueca Mellotronen (que é na realidade uma loja que gosta também, de vez em quando, de lançar alguns discos) editou dois preciosos títulos que documentam bem o impacto que Sabú teve no país dos Abba: “Burned Sugar” e “Winds & Skins”, este último com Sahib Shihab, são registos de concertos e gravações na rádio nacional sueca que ocorreram em 1973 e 1978, respectivamente. “Winds & Skins” representa mesmo a última vez que o percussionista esteve em estúdio.
“El Barrio”, a zona hispânica do Harlem, em Nova Iorque, foi o berço de Sabú Martinez que aí nasceu em plena depressão americana, em 1930. Os primeiros anos de vida não trataram Sabú da melhor forma que então conheceu os rigores da fome e do desalojamento. Mas em 1941, o percussionista, que basicamente tinha aprendido a tocar na rua, começou a actuar profissionalmente com trios latinos, iniciando aí a sua carreira. Em 1944 rumou a Porto Rico onde teve a oportunidade de desenvolver a sua técnica e estudar de perto os ritmos dos Lecuona Cuban Boys, que sempre reclamou como uma influência primordial. Regressou aos Estados Unidos em 1948 para uma missão absolutamente histórica: substituiu o lendário Chano Pozo na orquestra de Dizzy Gillespie. Benny Goodman, em 1949, e Art Blakey, com quem manteve uma associação muito estreita até 1958 e com quem gravou a famosa sessão que deu origem a “Orgy in Rhythm”, foram outros marcos no arranque da sua carreira.
Com uma mão no mundo do jazz e outra firmemente agarrada ao universo latino, Sabú Martinez participou mesmo na gravação do primeiro mambo na América, com o trio de Joe Loco, facto de extrema importância que conduziu directamente até à electrizante cena boogaloo dos anos 60 que se transformaria na explosiva salsa dos anos 70. No documentário “Mambo to Hip Hop”, um dos músicos latinos entrevistados afirma acertadamente que a salsa não era um ritmo, mas “música cubana com uma atitude que só poderia ter nascido em Nova Iorque”. Nos “barrios”, o som da descarga latina foi acompanhando a evolução da sociedade, cruzando-se com o rhythm n’ blues nos anos 60 e com o funk que na libertária época dos 70s ergueu James Brown até ao topo da cena musical americana.
No final dos anos 50, quando as percussões latinas ainda eram associadas a imaginários mundos de vulcões e nativas semi-despidas, Sabú gravou três obras-primas da corrente exótica – “Palo Congo” para a Blue Note, “Safari” para a RCA e “Sorcery” para a Columbia. Só os títulos já denunciam o que ia na cabeça dos A&Rs de cada uma dessas editoras, mas tirando o charme datado e meramente oportunista das capas, o que se descobre no interior é uma real vontade de alargar as fronteiras do legado latino, cruzando-o com as mais diversas latitudes. Como consequência desta generosa atitude, Sabú editou em 1960 o fabuloso “Jazz Espagnole” (disponibilizado o ano passado numa reedição da Alegre), efectiva e imaginativa ponte entre dois mundos, onde a criatividade bop surge pontuada por uma pesada secção rítmica.
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Martinez percorreu um longo caminho, das ruas do Harlem até à Suécia e mais além, chegando a tocar com os Rhythm Combination & Brass de Peter Herbolzheimer. E tal percurso só se pode efectuar quando o desejo de aventura supera qualquer outra vontade.
(Texto publicado originalmente na revista jazz.pt)
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