domingo, 8 de março de 2009

Jazz Bridges # 13: A bossa do jazz

Aos 50 anos, a Bossa Nova continua a ter uma memória fresca. A Blue Note volta a dar-lhe atenção…

Mais do que uma ponte, existe entre a bossa nova e o jazz um dedicado e já longo diálogo que neste ano das comemorações do meio século da nobre invenção de Jobim e Gilberto é naturalmente reavivado. Há agora no mercado duas interessantes compilações com carimbo Blue Note que ilustram bem o perfil dos dois interlocutores deste diálogo: “Blue Note Plays Bossa Nova” é um triplo cd com Lou Rawls, Hank Mobley, Lee Morgan, Nancy Wilson, Grant Green, Ron Carter, Chick Corea, Donald Byrd, Charlie Rouse, Stanley Turrentine, Cannonball Adderley ou Blossom Dearie; e “Platinum Collection Bossa Nova” é igualmente uma colecção que se estende por três cds e que reúne interpretações de Pery Ribeiro, António Carlos Jobim com Roberto Paiva, Dick Farney & Claudette Soares, Eumir Deodato, Marcos Valle, Elizeth Cardoso, João Donato, Milton Banana, Roberto Menescal e, entre outros, Wilson Simonal. Pode argumentar-se que ambos os lançamentos falham momentos importantes e históricos desse diálogo – por limitações de catálogo, num dos casos: Stan Getz gravou com João Gilberto para a Verve e Sinatra com Jobim para a Reprise. Do lado brasileiro destes lançamentos, a ausência directa de João Gilberto é mais difícil de compreender dada a sua ligação à Odeon, catálogo nas mãos da mesma EMI que controla a Blue Note… Ainda assim, pelo fôlego e qualidade do material reunidos, tanto “Blue Note Plays Bossa Nova” como “Platinum Collection Bossa Nova” são duas valorosas adições a qualquer discoteca pessoal que podem funcionar como resumo de universos específicos ou portas de entrada para não iniciados. Em ambos os casos, garante-se o mergulho num oceano de primorosas melodias tocadas por um ritmo que ajudou a definir uma época.
Em texto recente para o Expresso, o jornalista e escritor brasileiro Nelson Motta identifica o período de imposição da bossa nova no Brasil com a gestão do governo liberal de Juscelino Kubitschek quando o Brasil, “depois de ganhar pela primeira vez a Copa do Mundo de futebol, na Suécia, viveu um ciclo de progresso e desenvolvimento nunca visto, com a construção de Brasília em apenas quatro anos, a industrialização, a televisão, as novas estradas e fábricas: os brasileiros apaixonaram-se pelo futuro.” E para tal decidiram, nalguns casos, reinventar o passado à luz dos mais modernos desenvolvimentos. Foi certamente esse o caso da bossa nova: como indicava recentemente Gary Giddins no New Yorker, Jobim e Gilberto pertenciam a uma juventude moderna e sofisticada, educada nas subtilezas do bebop que se soltava das modernas estereofonias que equipavam os mais elegantes apartamentos de Copacabana. «Jobim,» garante Giddins, «encontrou uma forma de usar as harmonias do bebop como a base para as suas irresistivelmente líricas melodias.» E João Gilberto, que Caetano Veloso identifica como “o horizonte da criação musical popular brasileira”, despiu o samba de morro e Carnaval aproveitando apenas o seu lado mais intuitivamente rítmico e criou um “Chega de Saudade” eterno que em 58 se estreou em single com “Bim Bom” no lado B.
A bossa nova chegou agora aos 50 anos, mas no Brasil não resistiu tanto tempo: depois dos anos “dourados” de Kubitschek, a ditadura militar imposta em 1964 impeliu a música noutras direcções: o tropicalismo definiu-se como fonte de liberdade que levou inclusivamente ao exílio de alguns dos seus principais estetas, como Caetano, e a MPB reforçou o laço às origens. Aliás, a dada altura, até mesmo alguns dos artistas mais directamente ligados à bossa, como Marcos Valle ou Dori Caymmi e Carlos Lyra, procuraram libertar-se da “influência do jazz”, como dizia a canção, e ecoar escritos de teóricos como José Ramos Tinhorão que apelavam a um sentir mais declaradamente nacionalista.
Ao mesmo tempo que o samba procurava reconquistar espaço dentro da bossa, João Gilberto aprofundava as suas ligações ao jazz com o álbum de 1964 gravado em conjunto com Stan Getz, nos Estados Unidos. “Getz/Gilberto” bateu recordes de vendas, conquistou Grammys e impôs uma loucura generalizada pela bossa nos Estados Unidos, facto que talvez justifique que Ben Ratliff, do New York Times, se refira a Gilberto como um “estratega”. Jobim, claro, acompanhou Gilberto nesta imposição exterior da bossa nova, que de facto a tornou num som universal, e em breve estava a gravar ao lado de Sinatra, expoente máximo da sofisticação cool que a bossa também ecoava. As “obras primas de 3 minutos” (como lhes chamou Ratliff) de Jobim impuseram-se como telas em branco em cima das quais se podiam pintar diferentes quadros. O jazz americano, na sua contínua busca da expansão de idiomas, percebeu na bossa não só uma injecção desejável de exotismo tropical, mas também uma matéria prima moldável capaz de sublimar novas formas de pensar musicalmente. O jazz teve sempre uma paixão pela modernidade e em meados dos anos 60 poucas coisas eram mais modernas do que as balançadas melodias que chegavam do Brasil em catadupa, como se alguém tivesse, de repente, aberto as comportas de uma nova barragem musical.

1 comentário:

  1. Nos últimos seis meses tenho andado a descobrir, pouco a pouco, os encantos da Bossa Nova. Gosto, apesar de ainda não conhecer muito. O meu ponto de partida foi Nicola Conte. jazzy :)

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