Na década de todas as revoluções, um pequeno país como o Benin – até 1975 conhecido como Dahomey – celebrava a sua identidade com música carregada de groove que encontrou um lugar no presente graças ao esforço de etiquetas como a Analog Africa.
Independente do regime colonialista francês desde o início dos anos 60, Dahomey conheceu década e meia de turbulência étnica até à subida ao poder do marxista Mathieu Kérékou, responsável pela mudança do nome do país para República Popular do Benin, em 1975. Embora a transição para uma economia de mercado só tenha acontecido em finais dos anos 80, tal facto não impediu este país de gerar uma rica produção musical orientada com os mais enérgicos postulados do groove. A República Popular do Benin era comunista, mas também era funky. E a mais recente prova de tão invulgar situação pode encontrar-se na mais recente compilação editada pela fundamental Analog Africa de Samy Ben Redjeb: «Legends Of Benin», apresentada como uma “colecção de obras-primas super raras e altamente dançáveis gravadas entre 1969 e 1981 por quatro lendários compositores do Benin: Antoine Dougbé, El Rego, Honoré Avolonto e Gnonnas Pedro.
O alemão Ben Redjeb - a par do britânico Miles Cleret, homem do leme da Soundway – fez da Analog Africa uma etiqueta obrigatória para todos os que tenham o mais leve interesse por essa outra África que a indústria da World Music não revelou. De certa forma, pode considerar-se que a etiqueta “world” serve para mostrar como uma produção local olha para os mercados exteriores, mas a música contida em «Legends of Benin» (como nas outras edições da Analog Africa) nasce precisamente do movimento contrário, com músicos locais a interpretarem para consumo interno as influências exteriores. «African Scream Contest» (compilação de vários artistas do Benin e do Togo) e a antologia dedicada à Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou (também alvo de uma das preciosas edições da Soundway) são dois incríveis documentos, obsessivamente anotados pelo próprio Samy que assim coroa as suas expedições de descoberta. Estes álbuns não nascem de uma pesquisa confortável num qualquer catálogo de licenciamentos, mas sim de atribuladas viagens que rendem incríveis histórias relatadas nos booklets destes profusamente ilustrados lançamentos. Como Frank Gossner, do blog Voodoo Funk (de que já falámos por aqui), Ben também adopta uma postura quase arqueológica na procura das originais rodelas de vinil com que depois vai refazendo a imagem deste passado até agora desconhecido fora das fronteiras do Benin. O trabalho é tão minucioso como o de um arqueólogo que lentamente vai removendo camadas de poeira depositada pelo tempo até revelar mais um mosaico de uma civilização remota.
Há outro dado importante para se compreender a acção destas editoras e muito em concreto da Analog Africa: todo este trabalho é fruto de uma paixão que poderia até argumentar-se chegar perto da obsessão, característica comum dos coleccionadores mais dedicados. No blog da Analog Africa (sim, blog, porque não há dinheiro para mais: http://analogafrica.blogspot.com/) Samy dirige-se directamente aos seus consumidores para explicar atrasos na edição de vinil de «Vodoun Effect», a antolodia da Orchestre Poly-Rythmo, e deixar claro que é rigoroso na escolha da fábrica (masters com pobre qualidade sonora obrigaram a atrasos e a mudança de fornecedor) e que para poupar 20 cêntimos dobra ele próprio os posters que acompanharão essa desejada edição. Esta atitude “hands on” é fruto de um trabalho secreto, ainda distante da prática mais “profissional” das grandes editoras, mas que ainda assim garante resultados que não se poderiam alcançar de outra forma.
A música contida em «Legends of Benin» é uma vibrante mistura informada pelo funk, pelo jazz e pelo rock que chegava do mundo até Porto-Novo (a capital foi baptizada pelos portugueses envolvidos no comércio de escravos neste porto até 1885!) e Cotonou (a mais populosa cidade do Benin) e depois transformada por um caldo de tradições, sonoridades e técnicas declaradamente singulares e locais. Esta música não poderia ter surgido em mais lugar algum do mundo. Depois de décadas esquecida sob as areias do tempo (e a imagem pode ser entendida até de forma literal – o vinil tem pouco valor numa África em que até o clima parece funcionar contra esse suporte) volta a fazer-se ouvir, agora perante uma plateia mais global do que nunca.
terça-feira, 9 de junho de 2009
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