quinta-feira, 7 de maio de 2009

Gabriel Roth: a arte de gravar funk

Gabriel Roth, timoneiro da Daptone, homem forte dos Dap Kings, banda de suporte da poderosa Sharon Jones, é um pequeno génio. E utiliza-se a palavra "pequeno" apenas porque as revoluções que comanda são de ordem quase privada, o que não faz da música que vai editando uma entidade menos explosiva. Desde os tempos da Desco e das suas extraordinárias invenções - Daktaris!: anos luz à frente do regresso à estética afrobeat - que Roth tem vindo a desbravar caminho. Directamente para o passado!
O maior funky/disco/northern soul dancer do nosso país - que por acaso vem da Bélgica -, o senhor Kris "Wickywacky", chamou-nos a todos à atenção para o artigo que há muitos anos Roth publicou na saudosa Big Daddy Magazine. Um guia tutorial para a gravação de funk com recurso a equipamento budget. Feito com imaginação e humor, este guia continua actual e é uma autêntica porta para um diferente universo estético e poderá ser descarregado nos links abaixo. Roth abordou a sua peculiar arte de engenharia de som na revista Sound on Sound e esse artigo poderá fornecer mais um par de dicas preciosas na hora de decidir como captar o som de uma bateria, por exemplo. No final do ano passado, o fenómeno Daptone foi igualmente responsável por um artigo no New York Times que provavelmente até terá tido relação directa com um bem publicitado assalto de que o quartel general de Roth sofreu.
A propósito do artigo do NY Times escrevi para a Op. as linhas que abaixo se reproduzem:

No final de 2008, o New York Times publicou um revelador perfil de Gabriel Roth, um génio discreto que encenou praticamente sozinho um regresso a um passado carregado de soul para dessa forma reinventar o presente. Primeiro com a Desco, ao lado de Phillipe Lehman (mais tarde mentor da Soul Fire e, actualmente, da Truth & Soul), e depois com a Daptone, Roth voltou as costas ao presente – estético, mas também tecnológico – e em plena derrocada da indústria musical ergueu uma operação cuja única real preocupação é o groove, tal como enunciado por James Brown algures no final da década de 60. Boa parte da produção de Roth foi disponibilizada em vinil de sete polegadas e registada em tecnologia que seria considerada ultrapassada até em Bombaim e, de alguma forma, em vez de desaparecer, a visão deste homem criou raízes e até uma certa notoriedade.
Roth visitou Lisboa há alguns anos com o seu mais visível projecto, os Dap Kings, na altura em digressão com Sharon Jones. Baixa, negra, com peso a mais e 52 anos de idade, esta ex-guarda prisional de Ryker’s Island que vive num bairro social de Queens será tudo menos uma potencial estrela pop. E no entanto, a música que criou com os Dap Kings encontrou lugar no mundo da publicidade (em Portugal serviu de banda sonora a uma campanha de um banco) e inspirou até outra improvável pop star, Amy Winehouse, que usou os Dap Kings em boa parte de “Back to Black”.
Roth, como Leonard Chess antes dele, é judeu, facto que não o impede de escrever sentidos temas gospel para Naomi Shelton, uma empregada de limpeza à beira dos 60 anos que é líder das Gospel Queens. Gabriel Roth, como o artigo do New York Times deixa muito claro, construiu uma carreira com artistas que nunca teriam lugar no mapa pop usando métodos que a indústria descartou há décadas. Mas a pop está atenta: Kanye West e Jay-Z já reconheceram o pedigree das suas criações, samplando-lhe os grooves. Mais: a indústria ofereceu-lhe um Grammy pela engenharia de som no álbum de Amy Winehouse e a Universal enviou-lhe um disco de platina emoldurado, que agora adorna a casa de banho da Daptone, num edifício situado na zona menos glamourosa de Brooklyn.
Há uma lição por aqui, embora não seja totalmente clara. Gabriel Roth, contra todas as tendências – do mercado, da própria bolsa de valores estética da música popular – baseou a sua carreira na simples vontade de, como explica no referido artigo, “fazer o tipo de discos que gostaria de ouvir” prometendo a si mesmo que nunca editaria música de que não gostasse. Numa era de artifícios em que a pop é cada vez mais um espectáculo de máscaras e em que a música abandona progressivamente o plano físico – numa complexa transformação do modelo de negócio que tem levado muitas pequenas companhias a fecharem portas – Gabriel Roth e a sua Daptone são uma raridade que importa preservar. Na honestidade com que gere o seu negócio – no artigo do NY Times escreve-se como Roth preferiu abdicar de muitos milhares de dólares em royalties em vez de perder uma artista como Sharon Jones – e na extrema devoção a um particular modelo estético pode ver-se uma forma para enfrentar os adversos tempos que parecem estender-se à nossa frente. No negócio da música importa não esquecer que a música deve ditar o ritmo do negócio e não o contrário.


E pronto: a todos os funkers - ou simplesmente curiosos - aí fora, estes dois ficheiros pdf deverão interessar bastante.

How to record funk - part 1

How to record funk - part 2

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