quinta-feira, 23 de abril de 2009

The Giallos Flame: o som do terror

«Giallo» é uma palavra italiana que significa amarelo, a cor standard para as capas das novelas "pulp" de produção mais ou menos anónima que se impuseram em Itália desde a década de 30 do século passado dando depois origem a um género cinematográfico onde o crime, o suspense e o sexo se misturavam em doses abundantes. Dario Argento ou Mario Bava tornaram-se mestres dessa estética que atraiu também grandes compositores, como Bruno Nicolai ou Ennio Morricone, criadores do que se poderia chamar Giallo Jazz. Com a década de 70, estes filmes começaram a explorar outras possibilidades de banda sonora: Argento trabalhou de perto com os Goblin do grande Claudio Simonetti, uma banda que misturava rock progressivo com arranjos cinemáticos e uma clara inspiração nalguma electrónica mais avançada, criando obras-primas como Profondo Rosso ou Zombi (banda sonora que inspirou o nome e a sonoridade dos Zombi de Spirit Animal). Pode ler-se um pouco mais sobre os Goblin nos arquivos do Hit da Breakz.
Fica assim enquadrada a origem do nome dos Giallos Flame, projecto de Ron Graham que acaba de editar o mui apetecível Euro Slash EP em limitadíssima edição de 250 exemplares. Se se apressarem ainda o encontrarão aqui. Trata-se de um sete polegadas que vem acompanhado de um CD com mais oito temas! Verdadeiro "value for money"!
E vamos ao que interessa: a música de Euro Slash EP é uma lição de tensão, a meio caminho entre o rock espacial dos Zombi, o funk de laboratório dos MRR-ADM e o espírito louge perverso que se encontra nas clássicas bandas sonoras de produção italiana do início dos anos 70. Ou, para descomplicar as coisas, música inspirada pela liberdade e inventividade da melhor library music. Neste EP dos Giallos Flame descobre-se igualmente a mais recente ponta de um novelo que tem vindo a ser desenrolado nos últimos anos e que une a produção dos já citados Zombi e MRR-ADM, mas também a música dos Heliocentrics de Malcolm Catto e dos Natural Yogurt Band: grupos que procuram reinventar uma série de referências desenterradas por anos de diggin' - da library music, de um funk mais sintético, de obscuras bandas sonoras, dos Goblin e dos Tangerine Dream da banda sonora de Sorcerer - cozinhando depois um som que é uma fantasia que procura directamente uma época perdida e que, em boa verdade, talvez até nunca tenha existido. O interessante nesta postura analítica sobre um som que existiu em circuito naturalmente limitado durante uma curta época é a indicação de que o olhar sobre o passado tem revelado nichos cada vez mais codificados, facto que tem permitido que na prática estes projectos sejam uma forma de preencher os espaços em branco em complexos puzzles a que faltavam muitas peças: de Morricone aos Goblin, daí aos estúdios da Tele Music em França ou da Bruton e da KPM em Inglaterra e ainda mais além até ao domínio das experiências electrónicas de gente como Klaus Schulze... Este é o mapa de uma era em que a vontade de experimentar conduzia a pontos de intersecção entre escolas, atitudes e mentalidades muito diferentes. Ron Graham faz assim dos Giallos Flame uma espécie de mapa secreto para um passado que poderá existir apenas na sua cabeça, quando os filmes de terror tinham bandas sonoras de prog rockers interessados em jazz e em electrónica e em funk. É dessas sonoridades que se faz a mix com que Ron Graham procura contextualizar o seu novo EP.

Mix de Ron Graham para assinalar a edição de Euro Slash EP

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